sábado, 29 de março de 2008

PROSTITUIÇÃO - TRÁFICO DE DROGAS E A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

Autor: Alessandro Manoel da Silva ( NINO )
Fonte: Jornal O Expresso de Portugal - Domingo, 7/01/2001
Alessandro Manoel da Silva ( NINO ). Apostolado Veritatis Splendor: CRIME NA IGREJA - IURD. Disponível em http://www.veritatis.com.br/article/2780. Desde 10/10/2005.



CRIME NA IGREJA - IURD

CRIME NA IGREJA



Entrevista com João Coelho feita por Felícia Cabrita do Jornal O Expresso de Portugal

João Coelho, de 22 anos, é um ex-pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, para a qual entrou aos 14. Pregador em Portugal e noutros países da Europa, foi peão para todo o tipo de negócios, do tráfico de droga ao branqueamento de capitais. Arrependido, abandonou a IURD, da qual vive hoje escondido. Eis a sua história. De início, o rosto do rapaz parece emoldurar a expressão do pugilista a meio do combate. O olhar duro fixa-se no interlocutor, está em permanente vigia. Acabou de sair do hospital. Diagnóstico: fratura craniana, fratura na cabeça do perônio, fratura no nariz. Se não fosse o capacete já não estava cá para contar a sua história. Ainda tem a cara inchada, e as cicatrizes à volta dos olhos acentuam-lhe a frieza. Não tem dúvidas de que o acidente foi provocado. Voltava da praia, seguia de moto o carro dos pais quando um BMW começou a picá-lo. Ultrapassou os pais. Era um dia de Verão e o trânsito estava compacto. O outro não descolava, e ele continuou a ultrapassar, ainda lhe vê o rosto, pelo menos está disso convencido, mas de repente deixou de controlar a moto e esbarrou noutro carro. Tem apenas 22 anos mas começou a viver com o pé a fundo muito cedo. Vindo de uma família da média burguesia, teve uma adolescência normal, mas, como era um miúdo habilidoso, aos 14 anos já se interrogava porque é que um homem se matava a trabalhar para subir na vida. Nesse ano abandonou o liceu para entrar como colaborador na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Doze meses depois, a IURD fá-lo pastor. Segundo diz, daí ao mundo do crime foi um pequeno passo. A mando da Igreja torna-se um peão para todos os negócios auspiciosos: tráfico de armas, droga, branqueamento de capital. Um dia desfalcou a própria Igreja em 120 mil contos, mas, por incrível que pareça, ninguém apresentou queixa. Foi pastor em Portugal e também pregou na Europa. Até que um dia resolveu arrepiar caminho para não se perder. Abandonou a Igreja. Começaram as ameaças. Chama-se João Coelho e prefere não revelar o rosto, porque anda escondido desde o acidente, no Verão passado, e ficou com tendência para ver conspirações em toda a parte. Em entrevista ao EXPRESSO, o ex-pastor da IURD conta a sua história, que neste momento está a ser investigada pela Direção Central do Combate ao Banditismo.

Que idade tinha quando contactou pela primeira vez a IURD e como é que se proporcionou esse contacto?

Tinha 14 anos e foi através da minha mãe. A IURD estava a implantar-se em Portugal e iniciara uma grande campanha publicitária. Um dia, ela foi ao cabeleireiro e viu, numa revista feminina, uma fotografia e um testemunho que relatava o milagre de uma antiga colega de liceu que tinha uma filha que nascera surda-muda e que garantia ter sido a IURD que a curara. Por curiosidade, ou por insatisfação de ordem religiosa - tinha sido educada na Igreja Católica -, a minha mãe procurou a Igreja. Ficou impressionada e foi o primeiro elemento da família a tornar-se membro da IURD.

Além do vazio religioso, havia problemas de ordem sentimental ou financeira que tivessem levado a sua mãe a procurar apoio noutra Igreja?

Não. Somos uma família de média burguesia. Na altura a minha mãe tinha uma «boutique» e o meu pai um bom emprego numa empresa de cimentos. Financeiramente, vivíamos bem. Eu estudei num colégio interno antes de entrar no liceu, e o ambiente familiar era bom. Enfim, éramos uma família católica normal.

Foi a sua mãe que o convenceu a entrar na IURD?

Não, a minha mãe nem falava dos assuntos da Igreja à minha frente. Eu é que, quando saía dos treinos de râguebi - jogava na Académica - passava pela igreja e esperava que ela saísse do culto para apanharmos o autocarro e irmos juntos para casa. Houve até um dia em que resolvi entrar e achei aquilo muito esquisito. Estava habituado à prática católica e de repente deparo-me com pessoas em transe, que os pastores diziam que estavam com espíritos malignos. Tudo aquilo me parecia uma fantochada. Entretanto o bispo José Carlos, que na altura ainda era o pastor titular de Coimbra, e o pastor António vinham muitas vezes ter comigo e aliciavam-me para entrar para a obra, de uma maneira muito sábia...

Como?

Começaram por perguntar-me se eu não queria aprender a tocar piano e pertencer a um grupo jovem da igreja. Diziam que era apenas convívio - jogos e outro tipo de actividades -, e que não tinha de estar a ouvir o pastor a pregar durante quinze minutos ou meia hora. Portanto não seria uma seca, mas sim o sítio onde os jovens iriam conviver. Cheguei a vir a Lisboa, com um auxiliar, ao Água Parque, e foi muito divertido.

Foi assim que o foram aliciando ou entrou mesmo por uma questão de fé?

Não teve nada a ver com fé, apercebi-me da forma como eles viviam, bons fatos, boa roupa. Tinham bons carros, boas casas. E foi isso que me começou a aliciar, queria levar uma vida com aquele padrão sem ter de estudar, coisa de que nunca gostei. Dei então o passo para entrar na Igreja, mas eu não queria entrar e ficar soldado raso, não é? Não queria ficar eternamente um membro qualquer, nem queria andar um ou dois anos à espera de ser chamado «para fazer a obra», como eles dizem.


O que é necessário para ser membro da IURD?

Exige-se que a pessoa seja batizada tal como a Bíblia diz: o corpo é totalmente introduzido dentro das águas. Dentro da igreja é enchida uma piscina, o pastor entra e faz o batismo às pessoas que estão em condições de o fazer.

Quais são as condições?

Exige-se que a pessoa se arrependa dos pecados que cometeu no passado e que renasça para aceitar Jesus Cristo como único salvador da nossa alma. Mas, no fundo, o que interessa é preencher a folha de membro, entregar todos os nossos dados, fotografias, para que conste no registro da igreja, o que lhes vai dar jeito para muita coisa...

Qual foi a etapa seguinte?

Eu tinha 14 anos e só estive 15 dias como membro. Passei logo a colaborador, que era o que me interessava para poder subir rapidamente na hierarquia. Começo a sair para a rua com panfletos e publicidade acerca da Igreja, a convidar pessoas para irem à igreja. O colaborador veste-se como o obreiro: sapato preto, calça azul, camisa branca e gravata azul. O que difere é só o cartão, e existe uma separação espiritual para o obreiro e para o colaborador. Colaborador é uma pessoa que se está a preparar para a obra de Deus, mas ainda não tem o batismo com o Espírito Santo. Mas como colaborador já saía com eles à noite, à sexta-feira à noite, para ir queimar os pedidos do povo para a Praia da Figueira, onde se fazia uma fogueira. Abria-se um buraco na areia e colocavam-se lá os pedidos dos crentes. Levava-se também gasolina, imagens de Fátima, da Rainha Santa, e deitava-se fogo. Depois os obreiros e os colaboradores juntavam-se à volta, intercedendo pelo povo junto de Deus, por aqueles pedidos que lá estavam. Havia orações de vigília na praia e outras orações que eram feitas num monte, perto de Condeixa. Eu divertia-me imenso com aquilo, e sempre era uma forma de os meus pais me deixarem sair de casa.

Ou seja, não levava nada disso a sério?

Nem eu nem os outros, era apenas uma forma de apresentar serviço.

Nessa altura, como colaborador, já tinha a ideia da mistificação que isso significava?

Sim. Como colaborador, a primeira coisa errada que vi foi em relação à distribuição pelo povo do óleo santo que eles dizem vir de Israel. O que se passa é que, tempos antes, eles pedem às pessoas para trazerem azeite de casa, o qual é despejado em alguidares. E nós - eu participei nisso -, com seringas, enchíamos pequenos frascos com esse azeite. Depois, os frascos são limpos, colocados em bandejas e distribuídos às pessoas como óleo de Jerusalém, o óleo usado no templo de Jesus. Esse foi dos meus primeiros trabalhos na igreja e era com esse óleo que eu ungia na casa de banho os homens que tinham algumas enfermidades.

E esses tratamentos tinham algum efeito terapêutico nos doentes?

Nunca vi, enquanto estive na igreja, um paralítico sair de lá a andar ou um pobre sair de lá rico. Pelo contrário, vi muita gente entrar na igreja com dinheiro e sair de lá arruinada.

Foi aliás o caso da sua mãe!

Sim, mas eu apercebi-me disso mais tarde. Quando a minha mãe vai para Leiria é quando a «boutique» dela vai à falência, porque tudo o que a loja dava ia para o dízimo da Igreja. Ela dava tudo o que ganhava - e havia dias em que a minha mãe fazia caixas de 100, 150 contos. De um momento para o outro, as coisas começam a ir por água abaixo; eu via que as coisas eram vendidas mas não estava preocupado, não sabia a gravidade da situação.

E a sua mãe continuava a não pôr em causa a Igreja, nem a atribuir-lhe qualquer responsabilidade pelo seu caos financeiro?

Uma das coisas que eu aprendi, já como auxiliar de pastor, foi a intimidar através de uma palavra da «Bíblia», de forma a poder usufruir dessa palavra. Nas reuniões de sábado de manhã, que se destinam a orar pela vida financeira da pessoa, eu tinha que agarrar na «Bíblia» e preparar uma pregação que falasse na vida financeira, e incentivava as pessoas a fazer votos com Deus, ou seja, a darem dinheiro. Quanto maior fosse o voto, maior seria a bênção da pessoa. Por exemplo, a pessoa podia ter 10 contos até ao final do mês, mas se desse esses 10 contos isso era uma prova de que fazia votos com Deus, que Deus abençoá-la-ia e nunca deixaria que ela passasse por dificuldades. Digamos que eu fiz com muitas pessoas aquilo que eles fizeram com a minha mãe.

O seu discurso é mais profissional do que espiritual?

Eu queria ser um bom profissional, para subir rapidamente na hierarquia. O meu objetivo era que as minhas reuniões crescessem e que a oferta (as dádivas) fosse boa.



Era preciso ter um grande poder de convencimento para manipular assim as pessoas?

Não é difícil. O principal é ter paciência para ouvir as pessoas. Tudo começa nas mesas de atendimento, que é o sítio onde recebemos as pessoas que nos procuram pela primeira vez. São geralmente pessoas com problemas e que desabafam logo toda a sua vida. Isso fica escrito no nosso livro de orações. Depois, durante o culto, eu utilizava essas informações e começava a falar na história dessas pessoas e chamava-as ao altar para orar por elas. As pessoas convenciam-se de que eu adivinhava a sua vida, os seus dramas e ficavam cada vez mais dependentes. Este é o esquema montado para que a oração produza efeito.

Entretanto, foi «levantado» obreiro. Como se dá esse passo?

Para ser levantado obreiro é necessário que a pessoa seja batizada com o Espírito Santo.

O que é o batismo com o Espírito Santo?

A explicação que a IURD dá para o batismo no Espírito Santo é quando a pessoa está num louvor a Deus. Geralmente acontece na reunião do domingo de manhã. O que eles diziam - e ensinavam - é que quando a pessoa recebe o batismo com o Espírito Santo recebe um poder vindo de cima, começa a sentir no seu corpo um calor vindo de cima. Depois dessa sensação, falaríamos línguas que nós não conseguíamos distinguir, nem às quais conseguíamos dar significado. Como nessa altura já me convinha ser obreiro, decidi que estava na hora de ser batizado pelo Espírito Santo e um dia comecei a falar línguas.

O que é isso de falar línguas?

Há uma forma bastante fácil de a pessoa falar o que não entende. Num momento de louvor, o pastor pede para que as pessoas repitam consecutivamente «Aleluia!» Se estamos dez minutos a dizer «Aleluia», de certeza absoluta que não vamos conseguir dizer a palavra totalmente durante esses dez minutos de louvor. Com a repetição começa-se a dizer uma lengalenga, e a pessoa pensa que está batizada com o Espírito Santo porque falou alguma coisa que não entendeu. É um fenômeno provocado pela repetição. Mas no meu caso não foi: ouvira cinco ou seis pastores a falarem línguas e todos eles se baseavam nas mesmas palavras. Decidi imitá-los.

Quais eram as palavras?

As palavras foram «abalaci, abalaci, abalicantra» e assim começou então o batismo no Espírito Santo. Todas as vezes que eu falava línguas, ou que decidia imitar - como é mais correto dizer -, eram precisamente essas palavras que dizia.

Nada disso perturbava a sua consciência?

Nessa altura, não. Entretanto, na Igreja começa a haver uma campanha para uma viagem a Israel. Seriam os membros da Igreja que comprariam as passagens para visitar a Terra Santa, ir aonde Jesus andou, pisar o chão que Jesus pisou. Era uma bênção. Os meus pais compraram a passagem para eles e para mim. Em Setembro de 1994 desloco-me pela primeira vez à Terra Santa. Conhecia locais novos e andava de avião. Tudo isso era bom, não era? Ia de férias. Levava comigo pedidos do povo, que o pastor me entregara para deixar num local sagrado, no Monte das Oliveiras. Mas como já não ia passar por qualquer sítio sagrado e não queria atirar o pote para o lixo, acabei por aí os lançar ao Mar Morto, que não tem qualquer significado a nível bíblico . Após o regresso a Lisboa, três semanas depois, vou a uma vigília no Império durante a qual o bispo João Luís pediu a quem estivesse disposto a largar tudo para se dedicar à obra de Deus, para se dirigir à frente do altar.

Decidi chegar-me à frente. O meu objetivo era ser pastor. E participei na oração. Estive cerca de meia hora a louvar a Deus. Dei o meu melhor para ser escolhido. Os pastores que lá estavam, das 70 igrejas que existiam em Portugal, desciam do altar e vinham colocar as mãos sobre a cabeça dos obreiros presentes. Depois, indicavam ao bispo quem é que eles tinham sentido que realmente ia fazer a obra de Deus.

O que significa dar o seu melhor?

Montar palavras de louvor, de forma a que não fosse uma oração repetida, mas sim uma oração que realmente soasse bem aos ouvidos do pastor. E foi o pastor Roberto, de Coimbra, que veio orar comigo e deu ao bispo a indicação de que eu estava preparado para começar como pastor. Fui imediatamente chamado e foi-me dito que, no domingo, tinha que me apresentar no cinema Império, em Lisboa.

Foi aí que abandonou os estudos. Como é que reagiram os seus pais?

O meu pai diz-me que eu é que sei. Pergunta-me se tenho consciência do que vou fazer, se realmente é isso que eu quero, se não me irei arrepender... A minha mãe estava um pouco mais convencida, porque iria ter um filho a servir como pastor na igreja.

Que idade tinha quando foi feito auxiliar de pastor?

Tinha 15 anos.



São tempos atribulados no Império...

Quando vou para o cinema Império surge um problema com a Igreja devido a uma tentativa de arrombamento do edifício por parte das forças da autoridade. Numa quarta-feira à tarde, o bispo João Luís - que iria presidir àquela reunião - só chega no final e pede às pessoas que lhe desculpem o atraso, justificando-se com uma deslocação ao procurador-geral da República para lhe dizer que, se as autoridades quisessem investigar alguma coisa, não era preciso arrombar as portas. Nós próprios as abriríamos, para que as autoridades investigassem o que quisessem.

Nessa altura, os jornalistas não eram bem vistos no Império, e o sistema de segurança era muito apertado. Porquê?

Havia várias escalas de serviço para controlar a entrada de jornalistas e das forças policiais que lá pudessem entrar. Tínhamos de vigiar se havia telemóveis ligados dentro da igreja, de forma a que não se transmitisse a reunião para fora; ter muito cuidado com máquinas de filmar dentro da igreja, para que não se deixasse tirar imagens. Tínhamos também fichas com fotografias de jornalistas e de possíveis polícias que poderiam estar a investigar o «caso IURD».

Havia alguma razão que justificasse essas medidas de precaução?

O único esquema que consegui notar foi o secretismo que se fazia em torno das ofertas e a forma como eram transportadas. Na reunião, o pastor pedia às pessoas que fizessem a sua oferta, as quais eram colocadas dentro de uma sacola; para que Deus abençoasse as pessoas, enquanto elas ainda rezavam as ofertas eram imediatamente transportadas para o local que a IURD designa como o Dez, um cofre. À segunda feira, havia a reunião de todos os pastores, do Norte ao Sul do país, que prestavam contas das ofertas da semana na sua igreja. Aí era feita a contagem. Separavam-se as moedas das notas, e os caixotes saíam por uma porta lateral do cinema Império, numa carrinha, para o Banco Espírito Santo, na Avenida de Roma. Cheguei a acompanhar essa carrinha, como segurança. Saíamos por uma porta lateral para que as pessoas não percebessem que as ofertas eram retiradas da igreja daquela forma. Se a igreja não tinha nada a temer e se os membros sabiam que a igreja vivia de ofertas, que mal teria?

Entretanto, dão-lhe novas funções...

Sim. O pastor Carlos Roberto, de Faro, está com um problema: não tem ninguém que toque piano. Precisava de um auxiliar de pastor que exercesse também as funções de pianista. Chego a Faro, e foi-me entregue de imediato a reunião de sábado, que tinha 60 pessoas. Os primeiros dias não foram difíceis, tínhamos uma camarata onde vivíamos quatro auxiliares. Cumpria horários noturnos, fechava a igreja. Começava às 8 da manhã e acabava por volta das 11 horas da noite; tinha que estar sempre a viver ali, em torno da igreja, a cuidar de tudo: na mesa de atendimento, a fazer as reuniões, a tocar piano...

Tem idéia de quanto faturava a igreja?

A igreja de Faro faturava, todas as semanas, cerca de 3000 contos, isto sem contar os fins-de-semana. No primeiro fim-de-semana de cada mês, que era o fim-de-semana do dízimo, faturava muito mais. A de Tavira, que tinha aberto há pouco tempo, faturava na ordem dos 500/600 contos por semana. Na totalidade das igrejas do país, eram cerca de 200.000 contos por semana. Eram 70 igrejas. Desde igrejas com cerca de mil pessoas, como a do Império, até igrejas com cerca de 40, como a de Tavira, outras com 600, como a de Faro, com 400, como as de Portimão ou Leiria...

Diz-se que os pastores por vezes não resistiam e deitavam a mão ao dinheiro das ofertas.

A primeira vez que mexi em dinheiro da oferta foi na «Campanha de Albufeira».

Era uma prática comum entre os pastores?

Sim. Se o pastor chega a meio do mês e não tem dinheiro (eu, por exemplo ganhava apenas cinquenta e tal contos) recorre às ofertas, sempre de forma a não defraudar os objetivos estabelecidos para aquela semana.



Além de toda a sua ambição - tinha 15 anos, era um adolescente -, a sua vida circunscrevia-se à igreja ou furava os esquemas?

Quando estive em Faro, cumpria o meu serviço como pastor na igreja durante as horas normais, mas quando a igreja fechava levava a vida de qualquer jovem. À noite ia para a praia divertir-me, com os meus colegas auxiliares que lá estavam. No caso de o pastor dar por falta de nós na igreja, dizíamos que íamos orar para a praia. Íamos para o Hotel Faro tentar conhecer estrangeiras, travar conhecimento com raparigas... e o objetivo não era levá-las para a igreja (risos)...

Apesar de ser pecado...

A igreja ensinava que não se podia ter relações sexuais antes do casamento, que era pecado aos olhos de Deus. Mas quando eu saía da igreja para fora, nunca estava com esse tipo de ensinamentos. Para os pastores era uma imposição não praticar sexo antes do casamento, mas alguns auxiliares, como eu, não seguiam esse conselho. Eu não deixava de ser pastor durante o dia, mas à noite tinha a minha vida privada, da qual fazia o que bem me apetecia. Tive muitas conversas acerca dessa situação, principalmente com auxiliares em quem tinha confiança e com quem me dava bastante bem, como o Carlos. Trocávamos impressões acerca das nossas experiências sexuais, que tínhamos fora da hora de serviço na igreja. Foi uma boa fase da minha juventude. Posso dizer, como o ditado, que aconselhava as pessoas a fazerem o que eu dizia mas a não praticarem o que eu praticava.

Mesmo assim continuava a ter cada vez mais responsabilidades na IURD.

Sim. Entretanto surge uma campanha para uma nova viagem a Israel, na qual eu também vou participar. Até aquele dia, de todas as excursões que se tinham feito a Israel a igreja de Faro só tinha vendido uma passagem. A nível da venda de viagens era a igreja mais fraca de Portugal. Fico responsável pela venda das passagens aéreas. Incentivo as pessoas a contraírem créditos, faço de tudo para que se vendam passagens e consigo que sejam vendidas 30, o que foi uma bênção para o pastor. Isso deu direito a que o pastor da igreja, o titular, fosse a Israel, porque tinha alcançado o objectivo de vender mais de 20 passagens. Depois da viagem voltei para Faro e, uma semana depois, sou chamado a Lisboa, onde recebo instruções para partir para França como pastor. Dirijo-me à secretária do bispo, na altura a Carla, e é-me passado um documento no qual me é pedido o número de bilhete de identidade da minha mãe. Enfim, um papel azul que me autorizasse a deslocar ao estrangeiro, a título de férias.

Mas ia como pastor ou em turismo?

Eu era menor, e era preciso omitir o motivo da minha viagem. A minha mãe assina o papel, vamos reconhecer a assinatura ao notário e, no dia seguinte, tenho passagem marcada para Paris, pela TAP.

Com apenas 16 anos. Isso não desagrada aos seus pais?

A situação desagradou aos meus pais, por estarem a assinar um papel que não coincidia com a verdade: eu deslocava-me por motivos religiosos, e não de férias. Mas para mim era muito bom: ia conhecer França, onde nunca tinha ido, e viajar era o que eu queria. Quando chego a França, o pastor Ricardo, o responsável da igreja local, informa-me que afinal irei para a Suíça; o pastor Eduardo Bravo, que estava na Suíça, viria buscar-me no dia seguinte. Passados 15 dias, o pastor responsável pela igreja teve de se deslocar ao Brasil, para tentar conseguir o visto de residência na Europa. Fico então como responsável pela igreja: tomava conta das ofertas e geria os ordenados e fui o responsável pelo pagamento das campanhas em Neuchâtel e em Zurique. Foi assim que comecei como pastor titular na Igreja Universal do Reino de Deus.

E é também então, segundo diz, que entra no mundo do crime...

Passo a receber diariamente telefonemas do bispo João Luís, o responsável máximo na Europa pelo trabalho da IURD. Um dia recebo ordens para me deslocar a França com a maior urgência, para me encontrar com o pastor Ricardo. Encontro-me com ele em França e ele dá-me um panorama negro da situação econômica da igreja. Diz que a situação na Europa está muito fraca, que as ofertas não conseguem manter as despesas da igreja e que a igreja tem que optar, por vezes, por outras vias, de forma a que a palavra de Deus nunca deixe de ser pregada. A via eram negócios ilícitos que iam aparecendo, nos quais nós não nos envolvíamos diretamente. Ou seja, a igreja investia pura e simplesmente capital, de forma a reavê-lo - mais o lucro - sem ser implicada em nada e subsistindo assim enquanto não o conseguisse fazer apenas com os dízimos e as ofertas.

E que tipo de crimes eram esses?

Falsificação de moeda, tráfico de armas, tráfico de diamantes, lavagem de dinheiro, prostituição.


Como era possível a IURD envolver-se nesses negócios sem se implicar neles diretamente?

Ao longo do tempo fui vendo que as coisas não eram assim. A Igreja comprometia-se realmente em diversos crimes, como falsificação de moeda, tráfico de armas, tráfico de droga, exploração de prostituição, branqueamento de capitais. Depois, os lucros eram escoados através de empresas «off-shore» que são propriedade da Igreja.

Tem provas do que diz? Alguma vez se envolveu diretamente em algum desses negócios?

O meu primeiro trabalho nesse campo foi a aplicação de uma verba de 10 milhões de dólares em armas, para receber um lucro de 25 milhões de dólares, juntamente com o capital investido. Essa situação foi-me explicada ao pequeno almoço pelo pastor Ricardo, que me disse que a Igreja conhecia um indivíduo, o Amade, que teria os conhecimentos necessários para fazer o negócio, mas que não tinha o capital para investir. Era aí que entrava a IURD, fornecendo o montante necessário, recebendo todos os lucros da transação e pagando apenas a comissão ao Amade.

Qual o seu papel no meio disso?

Eu, o pastor Ricardo e o pastor Marcelo Oliveira - que estava na Holanda - encontramo-nos no Hotel Concord La Fayette, em Paris, com o Amade.

De que nacionalidade era o Amade?

Não sei, era um indivíduo de estatura média, moreno, falava um inglês pouco correto.

Como é que se dá a transação?

Entregamos-lhe os 10 milhões de dólares e, três dias depois, voltamo-lo a encontrar no Concord La Fayette, para receber os lucros dessa operação e pagar a comissão. Esse dinheiro é transportado para a igreja em Saint Martin e é aí que o pastor Ricardo me dá coordenadas de como é que faríamos o depósito do dinheiro. Arrancamos os dois para a Suíça, de carro, e o pastor Ricardo dá-me o número de conta de uma empresa «off-shore», propriedade da IURD, para que no dia seguinte eu fosse ao banco para fazer o depósito. E assim foi, no dia a seguir, com as coordenadas que me tinham sido dadas, dirigi-me ao banco onde fazíamos os depósitos das ofertas da Igreja e abri uma conta à parte, uma conta de uma empresa «off-shore», onde fiz esse depósito. Esse dinheiro foi depois controlado pelo pastor Eduardo Bravo quando chegou do Brasil. Ele é que foi diretamente ao banco para tratar do destino desse dinheiro.

Não tinha comissão nesses negócios?

Enquanto estou dentro da IURD não recebo qualquer tipo de comissão, faço os negócios por amor e compreensão à obra de Deus (risos). Ou seja, tudo isto fazia parte do meu jogo: fazer com que eles tivessem confiança em mim para poder subir rapidamente na Igreja.

Tinha apenas 17 anos. Como é que essas pessoas podiam confiar em si para esquemas dessa envergadura?

Eu tinha uma vantagem em relação a eles: era cidadão europeu, podia deslocar-me de avião com facilidade e além disso falava muito bem línguas... digamos que também tinha bom aspecto, falava bem, o que facilitava as relações a um certo nível.

Esse foi o único negócio em que participou?

Não. Mas depois disso tive um problema no joelho e, como estava ilegal na Suíça (estava lá há mais tempo do que era permitido para uma visita de turismo), desloquei-me a Portugal para ser tratado num hospital. Fico de novo no Império uns tempos e é aí que volto a encontrar um indivíduo que já tinha estado comigo da primeira vez que eu tinha estado no Império como auxiliar de pastor. Era o João, um africano conhecido por Megão, que tinha uma larga experiência no mundo do crime. E foi com ele que tracei um plano: assaltar a própria igreja.



Antes de me falar desse golpe, gostava de saber se conheceu outros pastores com passado criminal dentro da IURD.

Havia lá muita gente cadastrada, por assaltos, por serem toxicodependentes e também por tráfico de droga. Juntava-se lá de tudo um pouco. Eram os convertidos que supostamente tinham abandonado essa vida, mas que não se tinham esquecido de como é que as coisas se faziam. São os que deixaram isso tudo mas que ainda sabem fazê-lo.

Voltemos ao plano de assalto à IURD.

Bom, nunca especificando que tipo de negócios eu sabia que a Igreja praticava - mas como também sabia que não era só da «Bíblia» que se falava -, não vi mal nenhum em planejar com o João roubar o Dez, o cofre do Império. Fizemos isso de uma segunda para uma terça-feira. Ele percebia daquilo e, com algumas ferramentas, arrombamos a porta. Estávamos à espera de encontrar à volta de 200.000 contos, mas havia apenas 120.000 mil, em notas e muitas moedas. E por baixo do dinheiro havia várias embalagens de cocaína em sacos de plástico. Trouxemos apenas as notas, que dividimos irmãmente.

Ninguém deu por nada?

Nessa altura ainda não havia segurança durante a noite no Império; a segurança foi instalada precisamente depois do assalto. E nós também organizamos as coisas de forma a que parecesse um furto. Arrombamos o cadeado e as barras de ferro da porta da rua por onde saía o dinheiro que ia na tal carrinha para o Banco Espírito Santo. Arrombamos a porta, arrebentamos o cadeado e as barras de ferro que a travam por dentro e deixamo-la aberta. De manhã, quando o pastor chegou, pôs a correr que o autor teria sido algum pastor dissidente. Entretanto, o dinheiro continuava dentro da igreja, nos nossos sacos de viagem.

A igreja apresentou queixa?

Não apresentaram queixa nenhuma. Como é que poderiam explicar se, sendo na altura a igreja tributária, aquilo que eles declaravam não justificava a quantia enorme de dinheiro que tinham no cofre?

Era uma grande soma. Qual foi o destino que deram ao dinheiro?

O João agarrou no dinheiro e, dois dias depois, levou-o para a terra onde ele vivia, na Amadora. E eu levei-o para o banco, para o BBV, na Rua da Beneficência, onde conhecia um gerente bancário.

E ele fez o depósito de um valor tão elevado em numerário?

Eu já o conhecia e ele merecia-me toda a confiança; ele entrava noutros negócios de pessoas da IURD. Entreguei-lhe o dinheiro, nem abri conta em meu nome, e ele e investiu-o, usufruindo dos lucros. E além disso ainda recebeu uma comissão de 2 mil contos. Essa prática é usada pelos pastores da IURD, e não só. Procuram pessoas da sua confiança para que lhes guardem o capital, uma riqueza que não têm como justificar. Isto para que não exista qualquer tipo de suspeita por parte da Igreja nem por parte das autoridades, caso sejam investigados.

Estava rico. Podia ter abandonado a IURD.

Não, dava demasiado nas vistas. Entretanto sou transferido para o Luxemburgo, para trabalhar como auxiliar do pastor Domingos Sequeira.

E parte para evangelizar ou continua nos negócios?

(Risos) Negócios para a empresa. Branqueamento de capitais, através de garantias bancárias. O primeiro que me é proposto é deslocar-me com outro pastor, o António, a Madrid, para irmos buscar um BMW série 3 com matrícula portuguesa. Chegamos, pegamos no carro, e temos ordens específicas de trajeto. Arrancamos de Madrid direto a Bilbao, de Bilbao seguimos para Irun, de Irun podíamos ter passado imediatamente a fronteira para Biarritz mas descemos para Pamplona.

De Pamplona seguimos para Euji, onde passamos por uma fronteira aberta. Só depois é que nos dirigimos para Biarritz, Bordeux, Paris e entramos no Luxemburgo. Estávamos proibidos de abrir a mala do carro, mas o António não resistiu e deparou-se com aquilo que mais temia: droga.

Chegamos à conclusão que o melhor era ficarmos calados e tentar fazer as coisas de modo a não sermos apanhados naquele trajeto. Quando chegamos ao Luxemburgo entregamos as chaves do carro ao pastor Domingos Sequeira e ele é que tomou conta da situação.


A ser verdade o que diz, a IURD negociava bastante em droga. Através de quem?

Com o cartel de Cali, que foi aliás o financiador na compra da TV Record, no Brasil, e das produções Record. O bispo Edir Macedo tinha grandes conhecimentos com eles e as coisas estavam implantadas de forma a que eles também fizessem chegar à Igreja no Luxemburgo documentos bancários. Foi assim que eu conheci o Alex, que tem um «business center», uma empresa que fabrica «off-shore».

Qual é a finalidade?

«Off-shores» são empresas sediadas em paraísos fiscais, isentas de impostos. O «business center» do Alex recebia esses documentos bancários em nome dessas companhias «off-shore», de modo a que nós conseguíssemos créditos nos bancos do Luxemburgo mediante esses documentos. O Alex era a ponte de ligação com os bancos.

Fala da IURD como se se tratasse de uma organização criminosa...

Para que tenha ideia da dimensão do branqueamento de capitais que a IURD faz digo-lhe que, apenas no espaço de dois meses, chegou-se a fazer o branqueamento de mil milhões de dólares, às 'tranches' de 100 milhões de dólares. Tudo feito com base em empresas «off-shore», com projetos e contratos fictícios, em que as testas-de-ferro da IURD são essas empresas fictícias. É fundamental saber que o banco que emite essas garantias é um banco que é propriedade da IURD, no Brasil.

Transações complicadas que parecem fáceis...

Eu gostava de deixar aqui um aviso a todos os membros da IURD. Estes negócios são feitos em grande parte com os dados dos membros da Igreja. É por isso que, como membros da obra social da Igreja, temos que fornecer todos os nossos dados pessoais: BI, número de contribuinte, fotografias. Elementos que não são necessários para a Igreja, porque a Igreja não nos passa faturas. Ou seja: as pessoas, movidas pela fé, assinam cegamente e fornecem todos os seus dados à Igreja. De modo que ela pode usar os seus nomes para as cooperativas e para as empresas «off-shore». Porém, é preciso ter em conta que, um dia, se os responsáveis dessas cooperativas e «off-shores» - que são pessoas da confiança da IURD - saírem, são os membros da igreja que podem vir a ser responsabilizados pelos negócios ilícitos que ela faz.

Apesar de ter consciência dos crimes que atribui à IURD, não sai e até vai ganhando cada vez mais a confiança da Igreja...

Não havia razões de queixa contra mim. Em 1995, um ano antes de sair, abrem uma igreja nova na Bélgica e eu sou destacado para lá. Aí deparo-me com outra situação: a Igreja, que exigia a castidade aos pastores, também estava envolvida em negócios de prostituição. Cheguei muitas vezes a ir a uma das casas, situada em Mercson, a norte da Antuérpia, receber os pagamentos das mãos de Sandra, a responsável pelo bordel. Porque a IURD também tinha facilidade em trazer emigrantes ilegais para a Bélgica, nomeadamente prostitutas, porque um dos seus elementos era funcionário da embaixada de França, que emitia passaportes franceses autênticos dentro da própria embaixada. Era num café perto da embaixada que eu me encontrava com ele. Entregava-lhe fotografias e os dados da pessoa e ele produzia os passaportes e colocava as pessoas dentro do sistema informático do país. Trazia-me os passaportes e era feito o pagamento da praxe.

Nunca teve contrapartidas financeiras?

Embora eu tenha feito todos esses negócios da IURD, nunca tive lucros, fazia-os por amor a Deus (risos). Bom, fazia por mim, para alcançar rapidamente a confiança deles, para chegar ao meu objetivo: ser bispo.

No entanto, um ano depois abandona a Igreja, porquê?

O meu último mês na Bélgica foi terrível. Suspenderam-nos os ordenados sem qualquer justificação. Cheguei a passar fome. Era Inverno, estava um frio de rachar, e a igreja não tinha aquecimento. Arranjei uma mentira para vir a Portugal, eu não tinha necessidade de estar ali a passar por aquilo.



Claro, e no BBV tinha os 60 mil contos do assalto...

É verdade, tinha 60.000 contos à minha espera e não tinha necessidade de estar ali a passar fome. Decidi, no dia 24 de Julho de 1996, apanhar o avião para Portugal e sair da IURD.

Como é que a Igreja reage à saída de um pastor tão promissor?

A partir daí começaram as ameaças para casa dos meus pais, que também saíram da IURD. Começaram as intimidações e as perseguições, que acabaram, recentemente, numa tentativa de homicídio. Eu sabia de mais, sei de mais.

Faz acusações muito graves, tem essa noção?

Sei do que estou a falar, agora a polícia que investigue.

Não se pode dizer que tivesse tido um percurso exemplar.

É verdade. Entrei para a IURD com 14 anos, fui feito pastor aos 15 e, durante quatro anos, vi muito. Não me vou desculpar com a idade, mas também não a posso esquecer. Não me lamentei, nem me fiz passar por coitadinho ao longo desta conversa. Foi assim, ponto final.